quinta-feira, 14 de abril de 2016

Os monstros da Rua Cloverfield 10

O filme se passa  mesmo universo de Cloverfield (2008), que adotava o estilo found footage e mostrava, através de uma câmera subjetiva, um ataque de um monstro que dizimou Nova York, Rua Cloverfield 10 tem apenas isso em comum com seu antecessor. Nesse sentido, ele parece mais um exercício narrativo (dos bons) do que um argumento para se estabelecer ou restabelecer uma franquia, apesar de seu final potencialmente “sequenciável”. É uma decisão interessante de seus realizadores, mais preocupados com o conteúdo do que com a forma.

A história é simples: no dia em que decide abandonar o seu noivo, a jovem Michele (Mary Elizabeth Winstead) sofre um grave acidente de carro e acorda presa no bunker de Howard (John Goodman) com um machucado Emmett (John Gallagher Jr.), pois um grande ataque ocorreu na cidadezinha próxima. Estabelecendo-se claramente como um “filme de câmara”, ele se sustenta basicamente nas interpretações e composições absolutamente notáveis desses três atores, especialmente Goodman.

Howard é um homem gentil, porém completamente perturbado. Ele passou a vida construindo esta arca subterrânea para então ter todos os seus medos confirmados pelos eventos que, aparentemente, nós como público já conhecemos graças ao título. E mesmo com o conhecimento prévio de que o mundo realmente está sendo vítima de um ataque, nos questionamos a todo tempo acerca das verdadeiras intenções do velho louco, ampliadas por pistas vagas e nunca confirmadas que o roteiro joga para alimentar nossa imaginação.
Oscilando entre momentos de candura à psicopatia completa, Goodman vai se revelando como um sujeito instável e perigoso à medida em que o confinamento se avança, o que motiva seus companheiros de cativeiro a tramarem para sair dali, mesmo sabendo que podem acabar escapando para a morte certa. Howard, nesse sentido, se torna um monstro muito mais assustador do que aquele que destruiu Nova York no primeiro filme.
Já Winstead cresce sistematicamente desde o primeiro momento que aparece em tela, mas sempre demonstrando sua capacidade de superação e determinação de se livrar de situações adversas (o relacionamento, a algema, a máscara e por aí vai). Esperta e paciente, a personagem surpreende a cada virada que o roteiro dá, e elas são muitas. Gallagher Jr., por sua vez, é responsável por trazer alívio cômico genuíno a um longa tão carregado como este, saindo-se extremamente bem.
Tudo isso é comandado com eficiência por Trachtenberg, que demonstra uma admirável segurança na criação tanto de cenas intimistas quanto de grandes (e eu digo, grandes mesmo) sequências de ação. Igualmente competente é o trabalho técnico, que estabelece o filme em uma espécie de prisão atemporal, repleta de sons diegéticos,  ora aconchegante e ora árida e assustadora, graças ao trabalho complementar de design de produção, fotografia e edição de som.
Mas se Rua Cloverfield 10 já se sobressai no primeiro gênero, ele chega a níveis absurdos de tensão quando finalmente deixa o bunker e mostra de fato a que veio. Sem dar spoilers (que realmente estragariam a experiência), só consigo dizer que eu gostaria muito de ver um segundo derivado de Cloverfield tratando de forma mais direta as novas motivações da protagonista e então grande heroína do filme.